Carta 1

De: Alguém que precisa transbordar o ordinário e cotidiano
Para: Algum desocupado ocasionalmente interessado em ler.

***

Caro leitor,

    Isso não se trata de uma piadinha ou algum tipo de experimento. Apenas constatei, pela milésima vez nessa existência, que escrever era o que me restava para dar conta do que eu não consigo segurar. A vida é um caos orquestrado e disso todos nós sabemos. 
    Não espere que eu dê uma trama completa ou mensagens completamente coerentes. Há um narrador completamente não confiável e caótico por trás dessas palavras. Minha alma desde cedo sabia que o que há de obscuro e trevoso me atrairia. O tempo me trouxe a confiança e o foda-se que eu precisava para deixar o mundo saber disso. 
    Bom. Como toda alma vivida, há erros, acertos e nomes marcados na minha bagagem. Tudo bem, eu não tenho ressentimento disso. Aliás, não gosto nem de me lembrar dessas coisas. Elas moram no passado pelo seu belo motivo de serem lembretes para momentos futuros. 
    Hoje em específico minha cabeça pensa nas injustiças mundanas de viver como alguém que a sociedade depõe mais peso e atribuições. Isso mesmo, ser mulher é uma merda, em resumo. Ao mesmo tempo que o malabares diário acontece preciso não me abalar e seguir a vida. Afinal, eu posso fazer tudo que qualquer outra pessoa faz e ainda por cima, sangrando, não é mesmo?
    Recheio essa carta de cansaço existencial pois não é apenas de machismo que minha alma está cansada. É de um presente que meu eu passado pediu e me deixa confuse; quero viver essa vida que tenho, do jeito que está, mas ao mesmo tempo, porque diabos nossa mente adolescente a romantiza tanto?
    Apesar de tudo, ando só. Eu aprendi a gostar disso. E acho que disso eu não vou nunca mais abrir mão, entende? É uma confusão que no final leva a um sentido, o existir não precisa ser pesado mas o coletivo acaba o tornando. 

***

    Acompanhar o envelhecimento de minha mãe é interessante. Me faz pensar que a gente vive todo dia, um após o outro, e no fim o compilado é a vida passando em doses homeopáticas. O ciclo da vida nunca foi tão óbvio. A gente perde a autoconsciência e só a retoma quando olha pro outro com cuidado e atenção. Se deixar, a gente vai se adormecendo no passar dos dias, automatizando porque se preocupar com cada micro detalhe é doloroso. 
    Em que medida a gente tem que estar dormente? Em que medida a gente precisa sentir a vida na pele?

Até o próximo despejo de emoções. Tudo está latente mas eu juro, está melhor do que antes.  

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